11 janeiro, 2011

VOVÓ SE FOI COM SEUS CABELOS DE NEVE

Enterramos ontem - eu, minha irmã, minhas tias, primas e primos, netos, bisnetos e tataranetos; irmãos, sobrinhos e afilhados de Maria de Lourdes Barreto, nossa querida avó, mãe e amiga, no cemitério de municipal de Barra Mansa. No próximo Março, dia 30,  ela faria 95 anos. Na sexta-feira, dia 8, no Hospital São Camilo, em Volta Redonda, assistimos um grupo de enfermeiros levar o maior patrimônio que tínhamos para a Unidade de Tratamento Intensivo (UTI), de onde não mais voltou.

Era final de tarde e quando cheguei com minha família, encontrei vovó no quarto do hospital, com as filhas Anna, Maria, Glória e Fátima e a bisneta Anna Carolina. Vovó, com seus cabelos de neve, o braço direito muito ferido (resultado das tentativas de busca de veia), estava serena e aflita. A falta de ar a incomodava muito, mas a agulha no braço ferido e o cateter introduzido no nariz, também. Por isso, a todo momento ela tentava arrancar os dois. Mas, relaxava o braço cada vez que falávamos ao seu ouvido "que aquilo era remédio e era para aliviar a falta de ar".

A cena dela tentando morder a mão da enfermeira, em protesto por estar sendo tirada do meio dos seus, vai ficar em minha mente por toda vida. Naquele momento, apesar de todos os problemas ela estava ali, lutando para permanecer entre nós ou para descansar junto dos parentes. O único médico na Unidade ainda perguntou: "por que trazê-la para UTI?" Ele mesmo não entendia a determinação. 

Ouvi de alguém, tenho certeza, o que seria a ordem deixada, que não haveria equipe médica durante o final de semana. Se não era para ser dito, vazou. Então, me pergunto, para quê um supersônico, se não há gente para pilotar? Ou um supercomputador chinês, sem não tem ninguém para operá-lo?  "É chique morrer na UTI".... "Ela já viveu muito..." São justificativas.

E se estava havendo falência múltipla de órgãos, por que não esperar? Fui informado que a falta de ar era por causa dos rins que haviam parados e água no pulmão. E depois descubro que a estadia na Unidade é caríssima e faz alguns ganharem mais. E não posso deixar de perguntar, mesmo se tiver sendo injusto: "teria piloto para o supersônico se fosse uma celebridade"? Ou "deveria se ter mais critério para levar alguém para uma UTI"?  

 Tenho certeza de que todos os da família, mais  envolvidos, gostariam, hoje, apesar de exaustos com as tentativas de vovó,  de ainda tê-la ao lado. Ela tinha alzheimer  e estava escutando, muito pouco, apenas de um ouvido. Era doloroso a situação, que eu só vivi por alguns minutos.  Penso que poderia ter sido de uma forma menos dura, como dizem: morrer como um passarinho, ou um acordar interrompido para a eternidade.
São apenas detalhes. Afinal, ela ainda vive e viverá para sempre em nosso pensamento, na lembrança de cada um, nas tarefas aprendidas, no sonho do reencontro. 

O texto abaixo foi publicado aqui em setembro de 2009 -


SER IDOSO É SUBLIME


Ela é avó de muitos netos, bisnetos e tataranetos. É um exemplo de vida divino! Como o de muitas e muitos avôs. Tem hoje 94 anos e sua audição também passou dos 90% de deficiência. E está com Alzheimer. Toma remédios para o coração, mas ainda conversa; menos do que antes, talvez por contemplar mais o silêncio. Abandonou a vida de trabalho constante, não por que quis e vive uma vida de reflexão. E é gentilmente feliz e agradecida. Percebe-se na comunicação que faz com os olhos.
Maria de Lourdes Souza Barreto -
Mas, não não abandonou a candura, a preocupação com os seus e os semelhantes e a caridade da partilha. A memória recente de quem tem Alzheimer é apagada a todo momento, mas a velha preocupação da divisão fraterna, ela não esquece. Em seus olhos percebe-se a paz que o mundo inteiro anseia. E basta alguns minutos ao seu lado para voltar à realidade revigorado (a).
Qualquer descendente ou amigo (a) que conviveu no passado e ainda convive experimenta essa verdade. É a plena juventude da vida. Ser idosa (o), assim, é sublime! É rezar orando a simplicidade da companhia e partilhar a paz.

Nenhum comentário:

Postar um comentário