20 dezembro, 2010

MARCA DE VERGONHA PARA NÓS

Prestei concurso ontem na Prefeitura de Pinheiral e o texto da prova me chamou a atenção. Trago-o, não na íntegra, para reflexão, conhecimento e crítica. Foi escrito pela professora universitária Lya Luft, colunista da revista Veja, de onde o artigo foi tirado. Ela é também romancista, poetisa e tradutora brasileira.

...Nestes dias me deparo na imprensa com algo que rompeu minhas defesas e me fez duvidar do que estava lendo:.. querem banir das escolas um livro (logo serão todos, logo serão de muitos autores, não importa por que motivo for) de Monteiro Lobato, porque alegadamente contem alusões racistas.
Ora, gente, eu fui nutrida, minha alma foi alimentada, com duas literaturas na infância: os contos de fadas de Andersen e dos irmãos Grimm, e Monteiro Lobato. Duas culturas aparentemente antípodas, mas que se completavam lindamente. Narizinho e Pedrinho moravam no meu quintal. Emília era meu ídolo, irreverente e engraçada. Dona Benta se parecia com uma de minhas avós, e tia Nastácia era meu sonho de bondade e aconchego. Eu me identificava mais com elas do que com as princesas e fadas dos antiquíssimos contos nórdicos, porque jabuticaba, bolinho, bichos e alegria eram muito mais próximos de mim do que as melancólicas histórias de fadas e bruxas – raiz da minha ficção.
Toda essa introdução é para pedir às autoridades competentes: pelo amor de Deus, da educação e das crianças, e da alma brasileira, não comecem a mexer com nossos autores sob essa desculpa malévola de menções a racismo. Essa semente terá frutos podres: vamos canibalescamente nos devorar a nós mesmos, à nossa cultura, à nossa maneira de convivência entre as etnias.
...Não permitam isso, autoridades responsáveis  e competentes: uma vez iniciado, esse processo não terá fim. O politicamente correto pode ser perigoso e hipócrita. Os meus olhos azuis, como os de um de meus filhos, e os olhos escuros dos outros dois, como os oblíquos dos japoneses e os olhos pretos dos árabes, são todos da família humana, muito maior e mais importante do que suas divisões raciais....
...Que não comece entre nós, banindo um livro infantil de Monteiro Lobato, o mais brasileiro dos nossos escritores: será uma onda do mal, uma nova caça às bruxas, marca de vergonha para nós.

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